sexta-feira, 13 de junho de 2014

Despedida

Eu tinha pensado e inspirado muito antes de finalmente ter coragem de rodar a chave. Era noite e ela provavelmente não estaria em casa, mas, mesmo assim, eu temia encontrá-la. O lugar estava escuro, as janelas escancaradas deixando a sublime luz do luar iluminar uma parte do chão perto da parede. Não era para as cortinas estarem abertas, elas nunca ficavam quando morei ali. Dei alguns passos para dentro e notei finalmente a luzinha vindo da sala - se não fosse por ela e pelo luar, o lugar estaria em completo breu.

Ela estava em casa. Tinha vindo em uma péssima hora, não queria encontrá-la. Eu poderia muito bem ter dado meia volta e ido embora, mas... Tinha dirigido até ali e não perderia a viagem por causa do meu medo bobo.

Caminhei para dentro da sala e me deparei com o abajur de mesa ligado, iluminando porcamente do meio da poltrona para baixo. Ela estava sentada ali, mesmo eu só conseguindo ver de seus ombros para baixo. Lia um livro grosso, vestia apenas uma lingerie de renda preta que eu adorava tanto, mantinha as pernas cruzadas. Como eu fui idiota. Por que tive que entrar?

- Não sabia que estava aqui. - Minha voz saiu sombria, eu não queria demonstrar sentimento, mas não conseguia.

Ela ergueu a cabeça como se tivesse me visto só naquele instante, porém não estava assustada.

- Eu moro aqui. - Limitou-se a responder. Voltou os olhos para o livro e me ignorou.

Estudando-a melhor, percebi a taça de vinho sobre a mesinha ao lado da poltrona, a barriga definida se movendo calmamente, um sorriso avermelhado teimando em se esconder nas sombras. Eu sentia o frescor de sua pela, de sua voz. Seu rosto com certeza não estava inchado de lágrimas. Ela estava muito bem. E eu? Eu não sei mais o que sentia.

- Vim buscar minhas coisas. - Respondi por fim. Ela não disse mais nada, ficou entregue ao seu livro.

Caminhei lentamente até nosso antigo quarto e peguei a caixa que estava em cima da cama - ela já tinha arrumado todas as minhas coisas. Para a minha surpresa, estava tudo ali, organizado e limpo. Não era o que eu esperava, nenhum pouco. Imaginei que minhas roupas tivessem sido jogadas no lixo e meus pertences, rasgados ou quebrados. Não estavam nenhuma coisa nem outra.

Voltei para sala e a encarei demoradamente. 

- Não vai sair hoje a noite?

- Nunca fui dessas, já esqueceu? - Respondeu com os olhos presos às letras.

- Você está bem?

- Estou sim, obrigada. - Sua voz tinha a calma de sempre. Seu corpo se movimentava com aquela graça que sempre me encantou.

- Já peguei as minhas coisas, acho que é isso.

- Boa viagem então.

Como ela podia estar calma? Como podia ser tão auto-suficiente daquele jeito? Eu sempre soube de sua personalidade forte, mas aquilo? Eu não esperava. Sabe o que eu esperava? Esperava que estivesse se debulhando em lágrimas, com a casa cheio de lenços de papel jogados por todos os lados, os olhos inchados, vestindo aquela pijama de pezinho que eu sempre implicava.

Ela não estava nada daquilo, estava muito bem. MUITO BEM.

- Tchau. - Despedi-me. Ela não respondeu.

Caminhei novamente até a porta, deixei a minha cópia da chave pendurada no prego na parede - não precisava mais dela, não voltaria mais ali. Atravessei a porta e a fechei atrás de mim.

Eu estava péssimo. Não queria ter ido. Era tudo culpa minha e ela apenas aceitou com o aceno de cabeça. Eu que estava me debulhando em lágrimas, queria, pelo menos, que o meu sofrimento fosse recíproco. Queria encontrá-la triste, fazê-la sorrir novamente, imprensá-la contra o chão da sala e amá-la como na primeira vez. Queria acordar jogado no meio do apartamento com os braços ao redor do corpo dela, sentindo seu perfume. Queria que ela fosse minha mais uma vez.

Mas ela tinha outros planos. Sempre tinha sido daquela maneira. Ela não se magoava quando eu dizia que queria dar um tempo, nem com o fim de fato. Ela apenas aceitava. Mas me amava, disso eu tinha certeza. Só achava que cada um deveria fazer as suas próprias escolhas e os outros deveriam aceitá-las.

Minhas próprias escolhas? Se eu corresse para dentro do apartamento novamente e lhe arrancasse o livro das mãos e dissesse que lhe queria de volta, o que faria?

Pensei. Pensei. Pensei. Sempre hesitei na vida.

Agarrei a caixa com mais força e rumei em direção ao elevador.

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